A água que sai da torneira de cinco cidades baianas está contaminada. Um estudo mostrou que uma mistura de 27 tipos de agrotóxicos foi encon...
A água que sai da torneira de cinco cidades baianas
está contaminada. Um estudo mostrou que uma mistura de 27 tipos de agrotóxicos
foi encontrada na água consumida por parte da população de 210 municípios
brasileiros.
Entre ele estão Bom
Jesus da Lapa, Camaçari, Itabuna, Santa Maria da Vitória e São
Félix do Coribe. As informações são resultado de um cruzamento de dados
realizado pela Repórter Brasil a partir de informações do Sistema de Informação
de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), do Ministério
da Saúde, com testes feitos em 2022.
A maioria dos exames identificou uma concentração
dentro do limite considerado seguro pelo Ministério da Saúde para cada tipo de
substância isoladamente. Ou seja, a simples presença de cada agrotóxico em uma
amostra não necessariamente acarreta problemas para a saúde.
No entanto, a regulação brasileira não leva em conta
os riscos da interação entre os diferentes tipos de pesticidas. É justamente a
mistura de substâncias o que preocupa especialistas ouvidos pela reportagem.
Eles afirmam que o chamado “efeito coquetel” pode gerar consequências ainda
desconhecidas ao organismo humano. As detecções ocorreram em amostras de água
de diferentes redes de abastecimento dentro dos municípios.
Enquanto a União Europeia impõe um limite para a
presença de diferentes substâncias na água, o risco da mistura é ignorado pela
normativa do Ministério da Saúde. A pasta teve a chance de regular essa questão
em 2021, quando a nova Portaria de Potabilidade da Água foi aprovada, mas
tratou apenas dos limites individuais. O principal argumento é a
dificuldade em calcular os efeitos causados pelas diferentes combinações de
substâncias químicas na água.
“O ideal seria não detectar, ou seja, não encontrar
nada”, afirma Cassiana Montagner, pesquisadora da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas). “Mas quando há a detecção, ainda que em concentrações
menores que o valor máximo permitido, os governos deveriam tomar ações para
evitar que esses agrotóxicos apareçam por longos períodos de tempo”,
complementa.
Ela destaca que o risco é maior quando o consumo é
contínuo, ou seja, quando a presença das substâncias na água persiste ao longo
dos meses e anos. Nesses casos, 15 dos pesticidas encontrados estão associados
ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, disfunções hormonais e
reprodutivas.
Segundo a pesquisadora, as estações de tratamento
não conseguem retirar os agrotóxicos da água na concentração encontrada no
Brasil. Assim, a melhor solução é evitar a contaminação. A origem do
problema é o uso excessivo e indevido dessas substâncias, que ocorre em maiores
quantidades em regiões rurais, mas também no paisagismo nas cidades.
“Tudo aquilo que vem sendo colocado no ecossistema,
solos e plantações, permanece nos recursos naturais e continua presente em
diferentes lugares”, alerta Rafael Rioja, coordenador de consumo sustentável do
Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que faz alertas constantes
sobre a presença de agrotóxicos nos alimentos.
Esta não é a primeira vez que dados públicos
levantam alerta sobre a presença de diversos agrotóxicos na água. Em 2019,
especial feito pela Repórter Brasil, Public Eye e Agência Pública revelou que 1
em cada 4 cidades brasileiras tinham detectado todos os pesticidas na rede de abastecimento
– a quantidade de municípios era substancialmente maior porque o levantamento
analisou dados de 4 anos, 2014 a 2017.
‘Outro lado’ sobre agrotóxicos na água
Questionado pela Repórter Brasil, o Ministério da
Saúde reconheceu que analisar os agrotóxicos na água de forma individualizada é
insuficiente para determinar os riscos à saúde da população. Ressaltou, porém,
que há poucos estudos que analisam os efeitos da mistura, justificando assim a
ausência de valor máximo para o coquetel de substâncias na Portaria atual.
“A temática relativa à mistura de substâncias
químicas integra a agenda de trabalho do Ministério da Saúde, inclusive no que
se refere à definição do padrão de potabilidade”, afirmou em nota (leia a
íntegra).
O órgão também garantiu que orienta as equipes de
vigilância em saúde a adotarem ações preventivas mesmo nos casos em que os
testes apontaram a presença de agrotóxicos dentro do limite individual para
cada substância. Essa orientação, porém, não parece resultar em medidas
objetivas adotadas pelos municípios ouvidos pela reportagem.
As secretarias de saúde de Campinas, São Paulo e
Fortaleza, cidades onde os 27 agrotóxicos foram encontrados na água, afirmaram
que apenas seguem os parâmetros fixados individualmente para cada substância,
de acordo com a norma do Ministério.
A coordenadora da Vigilância em Saúde de Campinas,
Cristiane Sartori, afirma que a secretaria só consegue realizar ações quando os
testes apontam que o agrotóxico está acima do limite individual para aquela
substância específica.
Os agrotóxicos detectados em Campinas apareceram em
diferentes redes de distribuição da cidade, como condomínios, shopping e
empresas. Na Sanasa, companhia que realiza a maior parte do abastecimento da
cidade, não houve detecção. Já no campus da Unicamp, testes encontraram as 27
substâncias na água. Em 2022, cerca de 60 mil pessoas frequentaram o local.
A Unicamp afirmou que a mistura de substâncias é uma
preocupação para a Universidade, mas também se amparou na regulamentação do
Ministério da Saúde para justificar a tolerância aos 27 agrotóxicos na água. “É
importante salientar que não há ações de controle previstas na legislação
quando os valores dos resultados se encontram dentro dos padrões permitidos”.