Há sete anos, a dona de casa Sharol Werneck Gomes educa os filhos, que hoje têm 10 e 8 anos, em casa. A experiência começou com a filha...
Há sete anos, a dona de casa
Sharol Werneck Gomes educa os filhos, que hoje têm 10 e 8 anos, em casa. A
experiência começou com a filha que, quando tinha 4 anos e meio, foi
alfabetizada em casa. A filha chegou a ir para a escola, mas a experiência não
foi boa, o que fez com que Sharol tivesse mais certeza do caminho escolhido
inicialmente.
O filho, mais novo, nem chegou a frequentar as salas de aula. Sharol, que não
passou por nenhuma capacitação formal para dar aulas, diz que está
constantemente pesquisando e lendo sobre os melhores métodos. Atualmente, ela e
o marido coordenam um grupo de apoio para educação familiar em Cascavel (PR),
do qual participam 30 famílias.
O
número de famílias que optam pela educação em casa, prática conhecida como homeschooling,
cresce a cada ano no Brasil, de acordo com Associação
Nacional de Educação Domiciliar (Aned). Em 2018 chegou a 7,5 mil famílias,
mais que o dobro das 3,2 mil famílias identificadas em 2016. A estimativa é de
que hoje 15 mil crianças recebam educação domiciliar.
O homeschooling, no entanto, não é regulamentado no
país. Um julgamento marcado para esta semana no Supremo Tribunal Federal (STF)
deve trazer à tona uma longa disputa entre pais que desejam educar seus filhos
em casa e o Poder Público, que diz que a Constituição obriga a matrícula e a
frequência das crianças em uma escola.
Desde
2015 o assunto aguarda julgamento pelo Supremo, que deve definir um
entendimento único para todos os casos desse tipo que tramitam na Justiça
brasileira, estabelecendo o que o tribunal chama de tese de repercussão geral.
Ação
O
caso que será julgado em plenário e servirá de parâmetro para os demais foi
levado ao Supremo pelo microempresário Moisés Dias e sua mulher, Neridiana
Dias. Em 2011, o casal decidiu tirar sua filha de 11 anos da escola pública em
que estudava no município de Canela (RS), a aproximadamente 110 km de Porto
Alegre, e passar a educá-la por conta própria.
Eles
alegaram que a metodologia da escola municipal não era adequada por misturar na
mesma sala alunos de diferentes séries e idades, fugindo do que consideravam um
“critério ideal de sociabilidade”. O
casal disse que queria afastar sua filha de uma educação sexual antecipada por
influência do convívio com colegas mais velhos.
Outro
argumento foi o de que a família, por ser cristã, acredita no criacionismo –
crença segundo a qual o homem foi criado por Deus à sua semelhança – e por isso
“não aceita viável ou crível que os
homens tenham evoluído de um macaco, como insiste a Teoria Evolucionista [de
Charles Darwin]”, que é ensinada na escola.
Em
resposta, a família recebeu um comunicado da Secretaria de Educação de Canela
ordenando a “imediata matrícula” da
menina em uma escola. O Conselho Municipal de Educação também deu parecer
contra o ensino domiciliar, “por
considerar que o mesmo não se encontra regulamentado no Brasil”.
O
casal recorreu à Justiça, mas teve negado um mandado de segurança em primeira e
segunda instância. Em sua sentença, o juiz Franklin de Oliveira Neto, titular
da Comarca de Canela, escreveu que a escola é “ambiente de socialização essencial” e que privar uma criança do
contato com as demais prejudica sua capacidade de convívio.
“O mundo não é feito de
iguais”, escreveu o juiz. “Uma criança que venha a ser privada desse
contato possivelmente terá dificuldades de aceitar o que lhe é diferente. Não
terá tolerância com pensamentos e condutas distintos dos seus”.
O
caso seguiu até chegar ao STF, onde é relatado pelo ministro Luís Roberto
Barroso.
Posicionamentos contrários
Provocada,
a Advocacia-Geral da União (AGU) disse que as normas brasileiras estabelecem
que a educação deva ser oferecida gratuita e obrigatoriamente pelo Poder
Público. “É muito importante destacar que a escola possibilita um aprendizado
muito mais amplo que aquele que poderia ser proporcionado pelos pais, no âmbito
domiciliar, por maiores que sejam os esforços envidados pela família. Isso
porque ela prepara o indivíduo para situações com as quais inevitavelmente
haverá de conviver fora do seio familiar, além de qualificá-lo para o trabalho”,
diz a AGU.
Para
a instituição, por mais diferentes que sejam os membros de uma família, nenhum
núcleo familiar será capaz de propiciar à criança ou ao adolescente o convívio
com tamanha diversidade cultural, como é próprio dos ambientes escolares. "Sendo
assim. a escola é indispensável para o pleno exercício da cidadania”,
acrescenta.
A
Procuradoria-Geral da República também se manifestou, concluindo: “a
utilização de instrumentos e métodos de ensino domiciliar para crianças e
adolescentes em idade escolar. em substituição à educação em estabelecimentos
escolares, por opção dos pais ou responsáveis, não encontra fundamento próprio
na Constituição Federal".
Há
oito anos, o Conselho Nacional de Educação (CNE) emitiu um parecer orientando
que as crianças e os adolescentes sejam matriculados em escolas devidamente
autorizadas. O CNE também entende que a legislação vigente enfatiza “a
importância da troca de experiências, do exercício da tolerância recíproca, não
sob o controle dos pais, mas no convívio das salas de aula, dos corredores
escolares, dos espaços de recreio, nas excursões em grupo fora da escola, na
organização de atividades esportivas, literárias ou de sociabilidade, que
demandam mais que os irmãos apenas, para que reproduzam a sociedade, onde a
cidadania será exercida”.
Educação individualizada
Quem
é a favor do homeschooling argumenta, entre outras
questões, que a educação em casa garante o direito à dignidade e ao respeito,
assegurando uma educação mais individualizada e, portanto, mais efetiva. “Mesmo
nas melhores escolas, a educação necessariamente é provida de forma
massificada, sem atentar para as necessidades específicas de cada criança e sem
prover a elas as técnicas, os instrumentos e as metodologias do
ensino-aprendizagem mais adequadas e qualificadas ao tempo presente”, diz a
Aned.
“Estamos
buscando a autonomia educacional da família, não somos antiescola, não estamos
lutando contra escola, apenas somos a família buscando uma nova opção que, no
nosso entender, é melhor para o nosso filho”, diz o presidente da Aned, Rick
Dias. Ele conta que tirou os filhos da escola há oito anos, quando a mais velha
tinha 12 anos e o mais novo, 9. Hoje, a mais velha cursa relações
internacionais em uma universidade particular. “Não cremos que o Estado deva
definir como devemos educar nossos filhos”.
